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A APO – órgão que cuidará das obras para os jogos Olímpicos 2016 – já nasceu cercada de polêmica. Para entender melhor para que serve a Autoridade Pública Olímpica, cujo presidente será o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, conversei com a acadêmica baiana Nelma Gusmão de Oliveira, que estuda, em seu doutorado no IPPUR/UFRJ, os impactos dos megaeventos sobre a dimensão política da cidade.

Segundo Nelma, após uma profunda crise que culminou com a candidatura única de Los Angeles aos Jogos Olímpicos de 1984, o COI (Comitê Olímpico Internacional) se empenhou em transformar a Marca Olímpica num negócio rentável. Sob a coordenação de Michael Payne, foi criado um ambicioso programa de marketing que tranformou esta marca na mais valorizada do mundo. Cifras cada vez mais vultosas envolvem a venda dos direitos de transmissão televisiva e os contratos firmados com um seleto número de patrocinadores exclusivos, através do programa TOP – The Olympic Partner.

Segundo Payne, é o compromisso com o “valor” da marca olímpica, que determina o crescente interesse no absoluto controle sobre a preparação dos eventos. Algumas atitudes do poder público das cidades sedes, ainda que em defesa dos interesses da maioria dos seus habitantes, podem por em risco a credibilidade do COI junto às empresas que lhe financiam.

Nesse sentido, explica Nelma, cresce o número de compromissos exigidos das cidades ainda durante o processo de candidatura. Para ordenar tais exigências, além de um sofisticado Caderno de Encargos que normatiza e padroniza os dossiês de candidatura, estabelecendo regras e garantias, uma rede de empresas de consultoria internacional, algumas delas fomentadas pelo próprio COI, estabelece os mecanismos de controle através de um, não menos sofisticado, sistema de transferência de tecnologia.

A finalidade principal da APO, destaca Nelma, é exatamente garantir que toda a preparação para os Jogos esteja plenamente de acordo com os interesses do COI e, conseqüentemente, das empresas que lhe financiam. Trata-se de Consórcio Público Interferativo, formado entre a União, o estado e o município, que deverá fiscalizar o poder público nas três esferas de governo a fim de que todas as exigências do COI sejam observadas. Seu poder de ação vai até 2018, podendo se estender até 2020.

Existe uma grande aproximação entre o texto do London Olympic Games and Paralympic Games Act, que cria a ODA, e o Contrato de Consórcio proposto no PLV 2/2011, que cria a APO. Entretanto, a lei que estabelece a ODA (fonte de inspiração para a APO) determina uma série de limitações legais e hierárquicas à sua atuação. Em direção contrária, conclui Nelma, o projeto da APO prevê a possibilidade de sua intervenção frente às três esferas do Poder Público.

As mudanças no texto do PLV 2/2011 interferem na autonomia e no poder da APO?

Durante toda a trajetória da APO, desde o dossiê de candidatura até a sua aprovação no Senado, não houve nenhuma mudança substancial como quer fazer crer a grande mídia. Basta examinarmos atentamente os três textos envolvidos na criação da APO. Em nenhuma das versões estava delegado à APO a tarefa principal de licitar e de executar as obras. O poder de contratar e licitar apenas é conferido em caso excepcionais, sob a justificativa de necessidade para a adimplência das obrigações contraídas junto ao COI. A APO é autorizada a interferir junto aos seus entes consorciados, assumindo o planejamento, a coordenação e a execução de obras ou de serviços que estavam sob a sua responsabilidade ou de órgãos a eles vinculados, estando autorizada, nessa situação de “excepcionalidade”, contratar ou licitar em condições especiais que deverão ser estabelecidas em Lei Federal. Aí é que se encontra o poder da APO. O que está em questão é o que poderia ser considerado uma condição de “excepcionalidade” e o nível de subjetividade envolvida em tal possibilidade. A aprovação do texto da APO visa dar credibilidade ao órgão, bem como a escolha de Henrique Meirelles. É como garantir ao COI que estamos fazendo o dever de casa corretamente.

– Poderia comentar os custos para implantação da APO? Não é um órgão que já nasce inchado?

Embora acredite que seja contraditória a criação de 171 novos cargos com salários que podem chegar até 22 mil reais, num momento em que o Planalto anuncia corte de R$ 50 bilhões no Orçamento e pede austeridade fiscal, não considero essa a discussão prioritária. A relevância que a mídia quer conferir ao corte de 313 cargos retira de foco a discussão mais importante, que é a do poder político paralelo conferido à APO e o montante de recursos públicos envolvidos na Carteira de Recursos Olímpicos de cujo destino e aplicação, em última instância deterá o controle.

Qual sua opinião sobre os projetos vinculados aos Jogos Olímpicos? E sobre as remoções das comunidades no Recreio dos Bandeirantes?

O potencial transformador de tais investimentos pode ser questionado, uma vez que não se adequam ao planejamento das necessidades reais da cidade. Ao contrário, o planejamento da cidade e a prioridade dos investimentos públicos são determinados pelo projeto do evento.
Com ênfase exacerbada ao mercado, o conjunto de intervenções proposto no projeto Rio-2016 não apresenta um objetivo claro de reestruturação global e articulada da cidade nem contempla a possibilidade do uso racional dos recursos públicos para o benefício do conjunto de seus habitantes.

A Barra da Tijuca, objeto de forte especulação imobiliária e historicamente privilegiada pelos investimentos públicos, será também a grande beneficiária nesse projeto. Quanto aos subúrbios, que concentram a maior parte da população e carências da cidade, continuarão esquecidos pelo poder público nos próximos anos, quando todos os recursos serão canalizados para as prioridades dos eventos. Por outro lado, a as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e as intervenções pontuais em áreas com alto potencial de valorização, são ferramentas que permitem grande transferência dos recursos públicos para a iniciativa privada.
Em nome da “urgência” imposta pelo cronograma de obras novas leis são criadas, parâmetros urbanísticos são modificados sem atender às disposições constitucionais, impostos são dispensados, estruturas paralelas e formas particulares de exercício do poder e de realização de serviços são instituídas.

É também o consenso estabelecido em torno do projeto de desenvolvimento econômico que tem justificado os altos custos sociais relacionados à produção de grandes eventos na cidade. Sob a retórica de acabar com uma alardeada “desordem urbana”, e com a intenção de vender ao mundo a imagem de uma cidade asséptica e sem conflitos, despejos são autorizados, vendedores ambulantes e moradores de rua são perseguidos, pobreza e criminalidade são tratadas como sinônimos quando a violência policial é acionada contra comunidades carentes nas favelas e muros são construídos na produção de uma cidade cada vez mais dividida e menos democrática.

– Acredita que a cidade ganhará sediando as Olimpíadas?

As cidades são desiguais, heterogêneas, complexas e movidas pelo conflito, não havendo, portanto, valores universais que legitimamente possam expressar “o interesse consensual” de toda uma cidade. Não podemos afirmar se a cidade está ganhando ou perdendo, mas a partir de que ponto de vista se considera que a cidade está ganhando ou perdendo.
A partir do ponto de vista do capital, a cidade está ganhando uma vez que está sendo atraído um grande número de investimentos e estabelecido um ambiente extremamente favorável aos negócios.

Do meu ponto de vista, quando falamos em cidade temos que considerar a maioria de sua população e, ainda desse ponto de vista, a maioria de uma população de uma cidade só ganha através de ações que ampliam a participação cidadã e reduzem as desigualdades sociais.

Os fatos observados revelam que, embora justificadas no argumento do desenvolvimento e melhoria de vida, as transformações vinculadas à realização dos grandes eventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, até o presente momento, só têm promovido o encolhimento radical do espaço público da discussão política e ampliado as distâncias sociais entre os habitantes de uma cidade que já é tão desigual.

Leia artigo de Eliomar Coelho e Luiz Mario sobre megaeventos na cidade, publicado no jornal O Globo.

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Em extensa matéria publicada na revista Caros Amigos, especialistas em área urbana analisam o impacto da Copa e das Olímpiadas. Professora da FAU-USP e relatora da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik afirma que o apelo dos megaeventos justifica “um verdadeiro estado de exceção, uma situação em que as regras normais de como as coisas devem ser feitas não precisam ser cumpridas”. Segundo ela, estão sendo aprovadas excepcionalidades para a Copa do Mundo em relação à lei de licitações, isenção de impostos e dispensa de salvaguardas normalmente exigidas que permitem, por exemplo, alterações em Planos Diretores. Reproduzo a matéria abaixo…

O que realmente está em jogo?

A escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 foi amplamente comemorada. Não poderia ser diferente num País em que o orgulho nacional e a paixão pelo esporte são traços culturais marcantes. O que as comemorações ocultaram, entretanto, são os muitos problemas relacionados à forma como é feita a preparação para estes megaeventos esportivos: são obras aprovadas sem licitação, ameaças de despejos de milhares de famílias, transferência de grande quantia de recursos públicos para poucos grupos privados, intervenções realizadas na cidade que ferem as legislações de planejamento urbano e proteção ambiental, extrema falta de transparência e nenhuma participação do conjunto da população nas decisões que já estão sendo tomadas em nome dos jogos.

Alguns atores do governo, da iniciativa privada e das entidades ligadas à Copa e Olimpíadas têm decidido como será a preparação das cidades e alocação dos recursos para os  megaeventos, tendendo a reforçar a concentração de renda e poder já existentes. Enquanto isso, na grande mídia, há pouco ou nenhum espaço para importantes questionamentos: o que  realmente representa esta preparação? Como o capital atraído para sua realização é distribuído? Como são planejadas as reestruturações urbanas? Quem ganha e quem perde com estes processos? A Caros Amigos conversou com moradores das cidades sedes dos  eventos, professores, pesquisadores, intelectuais, parlamentares e integrantes dos movimentos sociais para tentar responder a estas perguntas e mostrar o ‘lado B’ da Copa e das Olimpíadas, ignorado diariamente na campanha pelo orgulho nacional.

“Faz parte da nossa cultura gostar do local onde nascemos e vivemos, as pessoas são apegadas as suas cidades e querem que haja eventos nela. Só que esse sentimento saudável se transforma numa armadilha contra a própria população. É preciso desfazer a cortina de fumaça e mostrar que sim, gostamos de jogos, queremos os eventos, mas sem autoritarismo, sem corrupção e sem comprometer o orçamento público pelos próximos 20 anos”, explica Carlos Vainer, professor do IPPUR/UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Os problemas surgem quando as transformações legitimadas pela Copa e Olimpíadas abrem caminho para práticas como o desrespeito a direitos fundamentais e o mau uso dos recursos públicos. A professora da FAU-USP e relatora da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, explica que os megaeventos são uma estratégia que as cidades têm utilizado para promover transformações urbanísticas, com uma dupla serventia: “de um lado, a mobilização que ele provoca em nível nacional e internacional acelera a possibilidade de investimentos e transformações, ao mesmo tempo em que, na competição entre as cidades pela atração de investimentos internacionais, o megaevento traz visibilidade. E, ainda, como se trata de megaeventos esportivos, também tem um apelo emocional, que justifica um verdadeiro estado de exceção, uma situação em que as regras normais de como as coisas devem ser feitas não precisam ser cumpridas”.

Leia a  íntegra da matéria que está disponível no site Fazendo Media.

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