Publico, abaixo, artigo do geográfo Jorge Borges, assessor do nosso mandato, que vem acompanhando de perto o processo de remoção em Vila Harmonia e faz uma oportuna análise da situação.
“Na última sexta-feira, funcionários da prefeitura conseguiram chegar ao último foco de resistência dentro da Vila Harmonia. Entraram no terreno da Dona Sueli, onde moram cerca de 10 famílias – todas descendentes diretas de sua avó, que já reside na região há muitas e muitas décadas. Trata-se de uma grande vitória sobre a resistência popular. Por que esse fato é tão simbólico e significativo?
Todas as comunidades do Recreio dos Bandeirantes, que estão sendo atacadas nos últimos meses, são vitimadas sob o argumento da necessidade da obra do corredor Transoeste, que nada mais é do que a duplicação da Avenida das Américas com a instalação de uma via segregada para ônibus expressos. Entretanto, a área da Vila Harmonia, além de não ser necessária para a referida obra, era a que melhores condições reunia para um processo definitivo de regularização fundiária e urbanística, que poderia se tornar exemplo e contribuir, fundamentalmente, para desconstruir o discurso imperioso de que não há lugar ali para as comunidades.
Não bastassem esses dados, vale ressaltar que a obra da Transoeste é uma das que mais possui indícios de irregularidades, desde o seu processo licitatório até o início da instalação dos canteiros de obras, passando pelo processo de licenciamento ambiental, junto ao Inea (Instituto Estadual do Ambiente). Está tudo suficientemente documentado e pronto para se transformar em peça judicial, matéria jornalística ou qualquer outra forma de denúncia.
Na Vila Harmonia, ainda residem famílias descendentes diretas dos primeiros moradores fixos do bairro que, como nos ensina a própria toponímia, foi, durante séculos, passagem para as caravanas que subiriam as serras gerais em busca das riquezas da eterna colônia brasiliana. Desde o início do século XX, essas famílias vivem e sobrevivem por ali e esse fato é amplamente conhecido dos administradores públicos. Eles sabem que todas essas informações, reunidas e apuradas, podem levar a embaraços e atrasos em seus planos perante os compromissos internacionais assumidos pela municipalidade em relação aos preparativos para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, além dos interesses da incorporação imobiliária.
Infelizmente, os movimentos sociais mais organizados, as forças populares do Rio de Janeiro não perceberam isso a tempo. Em suas desorientadas e fragmentadas ações, não constituiram, por exemplo, uma rede suficientemente potente para apoiar aquelas comunidades e impor a devida pressão aos órgãos públicos competentes, tal como ocorreu na comunidade Canal do Anil em 2007.
Com a queda da Vila Harmonia (e também da Restinga, Notre Dame e Vila Recreio II), verifica-se uma saturação da capacidade de ação dos defensores públicos do Núcleo de Terras e Habitação. São apenas seis defensores para apoiar juridicamente centenas de comunidades, dezenas delas ameaçadas pela prefeitura, com requintes de crueldade. Além disso, é patente uma certa letargia das organizações comunitárias para unirem-se em torno de um projeto comum que se contraponha aos planos da prefeitura para os próximos vinte anos. Essa dispersão deixa margem para negociações parciais, individualismos, falta de solidariedade e, finalmente, um desfecho como este que assistimos agora.
Há que se registrar, também, a ainda descoordenada atuação dos poucos parlamentares envolvidos diretamente no apoio às resistências populares e nas denúncias contra as arbitrariedades. Não é possível entender, por exemplo, como não se estruturou, até agora, frentes parlamentares e comissões sérias, nos três níveis, para congregar e atuar de forma mais incisiva na apuração e encaminhamento de denúncias sobre os crimes cometidos pelos representantes da prefeitura. Espaços como esses, dentro do parlamento, poderiam funcionar também como núcleos de pressão política direta sobre o próprio Judiciário e o Ministério Público.
O momento atual é de uma reavaliação profunda das táticas e estratégias adotadas pela resistência até agora. Os esforços para saber “o que vem por aí” são importantes, mas menos urgentes do que fazermos um grande inventário de potencial político e jurídico que ainda nos resta para organizar nossa atuação e, se possível, uma grande ofensiva.”
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